No primeiro capítulo de Howard Marks – “O mais importante para o Investidor” (2020), ele constrói a ideia do pensamento de segundo nível, que pode ser utilizado não só para decisões de investimentos, mas especialmente em todas as áreas da vida. Em investimentos, para se obter retornos acima da média, precisa-se pensar diferente da média; reagir e se comportar diferente, pensar diferente: enquanto o pensamento de primeiro nível é simplista, superficial e comum a quase todas as pessoas, o segundo nível é profundo e complexo. Enquanto o pensamento de primeiro nível diz: “O cenário exige baixo crescimento e aumento da inflação. Vamos vender nossas ações!”. O de segundo nível diz: “O cenário está ruim, mas todos os outros estão vendendo porque estão em pânico. Vamos comprar!”. Leva-se muitas coisas em conta: qual a gama de resultados futuros? Qual resultado eu acho que vai ocorrer? Qual a probabilidade de eu estar certo? Qual é o consenso? Em que aspectos minha expectativa difere do consenso? Etc. Marks enfatiza neste capítulo a grande importância de se fazer uma abordagem de investimento intuitiva e adaptável, em vez de determinada e mecanicista. Considerando que o mercado financeiro e a economia são “de humanas e não de exatas”, a psicologia desempenha um papel crucial nos ciclos e desdobramentos. Se o fator humano tem um peso tão relevante, é prudente explorar mais a fundo como a teia da realidade intersubjetiva molda essas dinâmicas.
A “realidade intersubjetiva” refere-se à realidade compartilhada que emerge da interação entre os indivíduos em uma sociedade. É a compreensão coletiva de normas, valores, crenças, linguagem e significado que permite que as pessoas se comuniquem e cooperem. Em outras palavras, é a realidade que existe entre as mentes individuais, moldada pela cultura, pela história e pela comunicação entre os membros de uma sociedade. De uma maneira metafórica, um diamante com múltiplas facetas representaria cada perspectiva individual, que contribui para a complexidade da realidade compartilhada. Cada faceta representa uma visão única do mundo, influenciada pela cultura, história, linguagem e experiências pessoais. Quando todas essas facetas são consideradas juntas, obtemos uma imagem mais completa e multifacetada da realidade compartilhada.
Baudrillard (sociólogo e filósofo francês) sugere que, em um mundo saturado de simulacros, as pessoas desenvolvem realidades subjetivas. Isso significa que as percepções individuais da realidade são moldadas por simulacros, e as pessoas podem perder a capacidade de distinguir entre o que é genuinamente real e o que é construído. Nesse sentido, a realidade se torna subjetiva porque é mediada pela cultura e pela mídia, através de imagens e signos. Essa hiper-realidade e a perda da capacidade de distinguir entre o real e o simulado podem levar à alienação e à despersonalização. As pessoas podem se sentir desconectadas de sua própria experiência e identidade, em busca de modelos e imagens fabricadas. A modernidade busca incessantemente pelo novo, pelo efêmero e pelo espetacular, que alimenta a produção de simulacros. Essa sociedade de consumo e a mídia de massa são impulsionadoras dessa cultura de simulacros, e ficamos à mercê dessas influências. O autor descreve quatro níveis de simulacro, que vão se distanciando cada vez mais da realidade; na sociedade moderna, estamos imersos na chamada “hiper-realidade”, onde os simulacros se tornaram mais significativos do que a própria realidade. Por exemplo, as imagens de beleza idealizada nas mídias sociais e na publicidade podem criar uma hiper-realidade na qual as pessoas buscam conformar-se com essas imagens, em vez de se preocuparem com sua realidade física.
Em seu livro “A Construção Social da Realidade”, os sociólogos Berger e Luckmann (1966) argumentam que a realidade é construída socialmente. Eles explicam como as interações humanas e as instituições sociais moldam nossa percepção da realidade, tornando-a intersubjetiva. Desde o nascimento os indivíduos são direcionados para internalizar as normas, valores e crenças de sua sociedade. Isso acontece por meio de interações com os outros e a assimilação de conhecimento cultural. A construção da realidade também é feita através de instituições sociais, como a família, a educação, a religião e a mídia. Muitas vezes mesmo as disciplinas científicas são influenciadas pela construção social da realidade e pelas convenções culturais.
Ao mesmo tempo, sabemos que existe uma dimensão objetiva da realidade, especialmente quando se trata do mundo material e das leis da física. A realidade objetiva se refere aos aspectos do mundo que existem independentemente de nossas interpretações individuais ou culturais. Por exemplo, a Terra gira em torno do Sol, a água ferve a 100 graus Celsius ao nível do mar, e a gravidade faz com que objetos caiam quando são soltos. Assim, enquanto a realidade objetiva é uma base sólida e consistente, as interpretações individuais e sociais podem variar significativamente. Por exemplo, a mesma realidade física (como um objeto) pode ter diferentes significados culturais e simbólicos para diferentes grupos de pessoas.
Portanto, podemos dizer que a realidade é multifacetada: há uma dimensão objetiva que é comum a todos, mas também uma dimensão subjetiva moldada por nossas experiências, cultura e interpretações pessoais. É a interação entre essas duas dimensões que torna a realidade tão complexa e rica em perspectivas. O relativismo cultural é uma perspectiva que sustenta que as noções de beleza são influenciadas pela cultura e variam de uma sociedade para outra. O que é considerado belo em uma cultura pode não ser o mesmo em outra. Essa visão enfatiza a influência dos valores e das normas culturais na nossa apreciação da beleza.
Jordan Peterson também disserta sobre esta percepção no livro “12 Regras para a Vida” (2018), argumentando que a ideia de que sociedades distintas tinham regras e morais diferentes era conhecida no mundo antigo também. Quando os gregos antigos velejaram para a Índia e outros lugares, também descobriram que regras, morais e costumes diferiam em cada local, e viram que a explicação para o que é certo e errado era geralmente enraizada em alguma autoridade ancestral. A resposta grega não foi o desespero, mas uma nova invenção: a filosofia. Sócrates, reagindo às incertezas alimentadas pela percepção desses códigos morais conflituosos, decidiu que, em vez de se tornar niilista, relativista ou ideologista, devotaria sua vida à busca de uma sabedoria que pudesse explicar essas diferenças, ou seja, ajudou a inventar a filosofia. Ele passou sua vida fazendo perguntas desconcertantes e fundamentais, tais como “O que é a virtude?”, “Como alguém pode viver uma vida boa?” e ainda “O que é justiça?”, e observou abordagens diferentes perguntando o que parecia ser o mais coerente e próximo da natureza humana.
Para os antigos, a descoberta de que pessoas diferentes têm ideias particulares sobre como viver não os paralisou; ela aprofundou sua compreensão da humanidade e levou alguns às conversas mais satisfatórias que os seres humanos já tiveram sobre como a vida pode ser vivida. Aristóteles, de forma similar, em vez de se desesperar com essas diferenças nos códigos morais, argumentou que embora regras, leis e costumes específicos variem de lugar para lugar, o que não varia é que em todos os lugares os seres humanos, por sua natureza, possuem uma inclinação para criar regras, leis e costumes.
Paralelamente, as ideias do iluminismo ensinaram ao homem que poderia confiar em sua própria razão como um guia no estabelecimento de normas éticas e válidas e de que poderia contar consigo mesmo, dispensando a autoridade da Igreja e da revelação para distinguir o bem e o mal. No livro “Análise do Homem” – Fromm (1963), é proposto que no lema central do Iluminismo “Confie em seu conhecimento”, tornou-se o incentivo para os empreendimentos e realizações do homem moderno. A dúvida crescente sobre a autonomia e a razão do homem criou um estado de confusão moral em que o homem se vê desprovido de orientação, seja da revelação, seja da razão. O resultado é aceitação de uma posição relativista segundo a qual os julgamentos dos valores e as normas éticas são puramente questões de gosto ou preferência arbitrária e de que neste setor não é possível fazer nenhuma afirmação com validade objetiva. Porém, como o homem não pode viver sem valores e normas, este relativismo torna-o fácil presa de sistemas irracionais de valores. As exigências do Estado, o entusiasmo pelas qualidades mágicas potentes dos líderes poderosos e o sucesso material tornaram-se as fontes de suas normas e julgamentos dos valores.
Diante do desafio contemporâneo de equilibrar a flexibilidade subjetiva e a objetividade definitiva, somos chamados a cultivar a sabedoria. Em um cenário onde a confiança na razão vacila e o relativismo se insinua, a busca por discernimento se torna crucial. Como seres sociais, navegamos por um oceano de influências pós-modernas, e a capacidade de separar as coisas, compreendendo quando adotar uma perspectiva flexível e quando buscar a objetividade, torna-se fundamental não apenas para nossas decisões de investimento, mas também para a compreensão mais ampla das questões significativas da vida.